Servidor Brasileiro de NWN ambientado num universo baseado em Fallout

Histórias

And maybe I’ll say “Maybe”

Borshevsky caminhava pelos corredores da Vault-Tec como um touro. Olhava para todos os lados como se todos fossem seus inimigos, porém todos estavam terrivelmente ocupados pois nem todas as vaults tinham sido concluídas e teoricamente eles tinham um prazo curto. Ou não.

De qualquer forma, ele estava disposto a se demitir naquele exato momento. Por isso se dirigia direto para a sala de seu superior, Edward McCain, chefe da divisão de biologia e saúde da Vault-Tec. Borshevsky era o cientista encarregado da pesquisa da “B-Metalocaína”, uma droga psicotrópica que tem como objetivo manter a atividade cerebral com uma atividade mínima por longos períodos de tempo sem a necessidade de um metabolismo ativo no corpo. Um milagre da medicina, como ele mesmo gostava de falar.

Por um motivo ainda desconhecido por ele, sua pesquisa foi fortemente patrocinada por uma figura misteriosa, que não poupava recursos para o desenvolvimento da droga, apesar dela não ter exatamente uma aplicação bem definida. A promessa da B-Metalocaína, ou “Metax”, como foi apelidada, estava no ramo da criogenia – quando as cobaias eram super-congeladas e depois reanimadas, muitas retornavam com severos danos cerebrais devido à ausência completa do metabolismo, por um motivo ainda desconhecido pelos médicos que acreditavam que o corpo literalmente “parava no tempo”. Borshevsky talvez estivesse próximo de descobrir o motivo disso, e talvez até de suprimir os fortes efeitos colaterais da droga, mas agora já era tarde.

Com uma “holotape” nas mãos (holotape era um dispositivo portátil multimídia de armazenamento de dados) Borshevsky adentrou no escritório de McCain, jogando a pequena fita na mesa e exclamando:

– O que significa isso McCain?

Edward, que permaneceu impassível o tempo todo da acalorada intromissão de Borshevsky, se virou vagarosamente para o velho eslavo de cabelos grisalhos e disse:

– Me diga você. O que siginifica isso?

– Esse holotape McCain. Contém informações sobre cobaias que estão tomando o Metax. Eu sou o pesquisador chefe dessa merda, e como diabos eu não saberia disso?

– Acalme-se – disse McCain calmamente – E feche a porta por favor… Não queremos ninguém assustado com essa apresentação sua. Tenho certeza que vamos chegar num entendimento.

Borshevsky obedeceu ao pedido de McCain, e tentou se acalmar ao máximo. Nesse momento a calma de McCain, surpreendentemente havia o tranqüilizado um pouco, e talvez tudo aquele realmente tivesse sido um mal-entendido.

– Qual o problema desse holotape Borshevsky?

– Não se faça de idiota McCain. Aí estão vários registros de civis e até militares administrando o Metax. Mas porque alguém iria querer usar essa merda? O Metax só deve ser utilizado por quem…

– Sim Borshevsky – interrompeu McCain – Porque alguém iria usar essa bosta desse Metax? E o pior, porque alguém iria investir bilhões de dólares numa porcaria de uma droga que “supostamente” evita danos cerebrais em pacientes em “comas induzidos”. Pelo amor de Deus Borshevsky, quem está se fazendo de idiota é você.

– O que você está querendo dizer? Que o Metax é uma perda de tempo?

– Não Borshevsky. Estou dizendo que já perdemos tempo demais com isso, nosso cliente está perdendo a paciência e temos que apressar as coisas. Toda vez que sugerimos testes em cobaias humanas você recua, alegando bobagens sobre efeitos colaterais e testes mais abrangentes em chimpanzés. Estamos em guerra Borshevsky. Ou um dois corpos a mais por “razões desconhecidas” não farão diferença nenhuma. Nós simplesmente pegamos as informações de triagem de cobaias que você fez e apressamos as coisas. Assim que conseguirmos os dados, vamos passar pra você tranquilamente. Você não precisava saber de porra nenhuma se quer saber, mas já que descobriu vamos manter isso “cientificamente”.

– McCain, a guerra não justifica tudo isso. Vocês estão enganando essas pessoas! Veja aqui – Borshevsky então pegou um dispositivo portátil que consegue ler as holotapes, chamado de PiPBoy, que estava preso em seu braço. Todos os funcionários da VaultTec tinham que trabalhar com um desses – Lincoln A. Fox, câncer de pulmão. Estão administrando Metax nesse cara falando que é um remédio pra câncer? Puta merda, você perderam completamente o juízo. E o que diabos significa “despachado” em algumas entradas?

– Certo Borshevsky, vou ser franco com você. Estamos sim testando o Metax em cobaias humanas, um bando de desesperados pra ser sincero. Alguns com doenças terminais, outros sem família, alguns soldados que passaram meses no Alaska e simplesmente não se encaixam mais na nossa sociedade. Finalmente esses merdas vão poder fazer algo de bom no final de suas vidas, ajudando a ciência. Eles tomam o Metax, começam a ficar fodidos e vem até a gente. Quando chegam, são testados e depois mandamos eles pra “sete”, onde vão ficar por alguns meses. Depois disso reanimos os vagabundos e pronto, voltam as suas vidas normalmente ou diabos que seja. Isso, claro, se essa merda desse Metax funcionar. Se não funcionar, bem, aí é problema seu.

Borshevsky permaneceu atônito enquanto McCain falava. Ele conhecia o meio, sabia que muito era feito por dinheiro e que a vida de muita gente não valia nada para empresas como a VaultTec. Mesmo assim ele não podia se imaginar fazendo parte disso, o esquema era muito perverso para ele.

– Vocês… vocês estão congelando essas pessoas é isso? Vocês estão obrigando essas pessoas a testarem os efeitos do Metax e serem criogenadas para satisfazer esse tal “cliente”? – perguntou Borshevsky visivelmente abalado

– Sim. Vamos poupar meses, senão anos da sua pesquisa, e seu nome vai entrar para a história como o homem que tornou a criogenia viável.

– Isso não vai acontecer McCain. Eu não quero uma mancha de sangue no meu currículo, mesmo que só eu e você nesse mundo saibamos disso – Borshevsky então tira seu PiPBoy e joga sobre a mesa de McCain – Eu me demito. Foda-se você e foda-se a VaultTec.

– Eu te peço para reconsiderar Borshevsky. Você está próximo de conseguir o que quer, pense bem no que está fazendo – disse McCain, enquanto abria uma gaveta de sua mesa.

– Talvez McCain… talvez eu devesse sair por essa porta e falar pra todos o que a VaultTec anda fazendo. Talvez eu devesse avisar pro mundo sobre esses “experimentos sociais”, sobre as falhas propositais dos projetos das Vaults, e tudo mais. Talvez eu devesse foder com essa merda toda de uma vez – respondeu Borshevsky, se virando e indo em direção a porta.

Quando Borshevsky se aproximava da porta da enorme sala de McCain, um pulso laser o atingiu pelas costas pulverizando os órgãos dentro de sua caixa torácica com violência. Borshevsky não teve tempo nem de dar seu último suspiro já que seus pulmões subitamente se tornaram poeira, e seu corpo caiu inanimado no carpete da sala.

– Talvez.

 


War… War never changes.

– Capitão… o que está acontecendo? – perguntou o soldado, com as mãos trêmulas. Ele não sabia exatamente porque o comandante da base havia fechado todas aquelas pessoas lá dentro, mas julgando pela noite do dia anterior ele estava terrivelmente certo.

Roger olhou para o chão e vacilou por um momento. Ele não podia simplesmente dizer que não sabia. O fato é que ele só imaginava o que tinha acontecido, e se pelo menos Deus não tivesse abandonado completamente a humanidade suas idéias eram até um pouco pessimistas.

– Não podemos nos preocupar com isso agora. A base é resistente, mas pode ter sofrido avarias. Eu tentei… contatar o quartel general mas ainda sem sucesso, por isso vamos ficar na defensiva. Tente manter os civis calmos e em hipótese alguma abra o portão externo da base. Se esses malditos chineses querem entrar, vão ter que se esforçar e muito para tirar meu corpo morto daqui de dentro. E só mais uma coisa… chame o tenente Foster aqui por favor. E mande-o vir com a armadura.

– Senhor sim senhor! – exclamou o soldado, se afastando rapidamente como se tentasse usar suas obrigações para ignorar o que havia acontecido.

O Capitão Roger Maxson sentava na mesa do ex-comandante da base, Coronel Robert Spindel. Agora os soldados o chamavam de comandante, mas ele não tinha recebido nenhuma ordem do exército para isso – se ainda houvesse algum exército para condecorá-lo. Olhava o calendário fixamente, pois aquela com certeza seria uma semana que ele nunca se esqueceria. Alguns dias atrás Maxson havia executado vários pesquisadores da Base Mariposa, numa manobra extrema para evitar uma deserção em massa da base ou até pior. Os militares descobriram o que era pesquisado na base, e como isso era feito, o que provocou um desabamento na moral dos soldados. Detalhes à parte, a guerra simplesmente justifica tudo.

Dois dias depois, Robert Spindel cometeu suicídio após um ataque nervoso, deixando a base sem comando claro. Os homens rapidamente se voltaram para Maxson, mesmo sem que ele deseja-se aquilo de verdade. Na altura dos acontecimentos, talvez a única coisa que ele queria era sumir de vez daquele lugar, e foi o que ele realmente tentou fazer.

Mesmo sabendo que poderia ser executado por aquilo, Maxson enviou uma mensagem de rádio para o QG anunciando sua total deserção do exército americano. Após uma mensagem emocionada de tristeza e fúria, testemunhada por dezenas de soldados que compartilhavam do mesmo desejo, não houve resposta. Nem mesmo uma tentativa de coerção, de apaziguamento, ou até de ameaça: simplesmente tudo que se podia ouvir era uma leve estática de interferências diversas. O exército americano estava um passo à frente: antes que Maxson pudesse abandoná-los, ele já estava só.

A histeria da Grande Guerra estava no seu pico, e nenhum homem em sã consciência naquele momento poderia pensar em algo diferente. Mas o Capitão Roger Maxson, agora chefe de segurança da Base Militar Mariposa, não poderia abandonar todos como ele mesmo havia sido. Várias famílias com medo da guerra haviam acampado próximo a bases militares com a esperança de estarem mais seguras daquela forma. Maxson então ordenou que todas fossem levadas para dentro da base imediatamente, onde ficariam até que ele pudesse contatar o governo americano de alguma forma.

Não foi necessário muito esforço para convencer as famílias, entraram pela imensa porta de metal e foram conduzidas ao interior pelos soldados. Por três dias os soldados percorreram a região buscando mais refugiados e suprimentos gerais. Maxson não foi claro dos seus planos, só ordenou que todo civil, alimento e água potável deveria ser levado.  A base Mariposa era o centro de pesquisas e desenvolvimento do exército americano no período final da guerra, substituindo a privada West Tek. Dessa forma a base era brutalmente fortificada e construída no interior de uma montanha – se algo acontecesse, a base era com certeza a melhor opção. Assim que o último cidadão entrou na “Mariposa”, o Capitão ordenou que a porta fosse lacrada completamente. E assim permaneceria até que uma resposta fosse obtida.

Na verdade, a resposta veio na mesma noite. Pequenos tremores começaram a ser sentidos pela noite, e eventualmente aumentavam de magnitude chegando a abalar as estruturas da base. Crianças choravam de medo, enquanto seus pais se mantinham firmes apenas para confortar seus filhos, segurando as lágrimas como podiam. Vários soldados estacionaram na porta principal da base, com os rifles firmes apontados contra qualquer chinês ou comunista que tentasse adentrar na Mariposa e acabar de vez com o mundo livre. A energia sofria vários picos e falhava constantemente, mas isso não era nada em relação aos freqüentes tremores. Maxson segurava a mão de uma mulher que entrara sozinha, pois sua família estava na costa leste, tentando confortá-la. Mas na verdade ele estava com tanto medo quanto ela.

Com o fim da noite, a impressão era que tudo tinha sido um sonho. Nenhum som podia ser ouvido de fora. Nenhum tremor, a energia permanecia ligada e muitas crianças já estavam dormindo tranquilamente. Maxson obviamente não dormiu, e assim que os ruídos cessaram resolveu voltar a contatar o QG, mas sem nenhum sucesso. Dessa vez, a estática que era apenas residual, estava total. Alguma coisa com certeza tinha acontecido.

– Me chamou comandante? – perguntou Timothy Foster, tenente do exército americano da divisão de infantaria pesada

– Sim. Certifique-se que sua armadura está completamente selada.

– Eu… faço a manutenção dela quase que diariamente senhor – respondeu o tenente

– Eu já esperava isso, por isso eu o chamei. Quero que você vá até lá fora e faça a leitura do local para mim. Precisamos saber o que aconteceu imediatamente e se é seguro deixar a base agora. Mas por enquanto não comente essa missão com ninguém.

– Leitura de que exatamente senhor?

– Radiação – respondeu Maxson diretamente.

Foster não estava surpreso, e sim assustado. Ele compartilhava da mesma suspeita de Maxson, mas preferia ignorá-la. O comandante então pegou o contador Geiger e acompanhou o tenente até a porta interna da base, onde os soldados faziam a defesa contra os eventuais chineses. Junto com o contador Maxson o entregou um rádio para que pudessem manter contato entre a porta interna e a imensa porta contra explosivos externa, pois a interna seria fechada.

Durante o percurso de algumas dezenas de metros entre as portas, e única coisa que Maxson podia ouvir era o som da respiração vacilante do tenente Foster. Num silêncio terrível de alguns segundos, Foster conseguiu alcançar os controles para abertura da porta exterior. Um grande barulho de metal se arrastando pôde ser ouvido, e logo depois Foster finalmente exclamou:

– Puta Merda!

– O que foi Tenente? Qual a situação? – perguntou Maxson desesperado.

Foster ficou alguns segundos em silêncio, enquanto Maxson gritava desesperadamente por uma resposta.

– Senhor… temos um problema.